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Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. Carlos Drummond de Andrade

sábado, 12 de abril de 2008

Quinze anos atrás.

- Pára!

Indiferente ao grito, Adriano levanta a mão e desce novamente. Dessa vez, fechada. Acerta o nariz de Débora. Gotas de sangue espirram e mancham a blusa azul de Adriano. Quando ela cai, bate a testa no canto da mesinha da sala, deita-se de lado e leva os braços ao rosto, para protegê-lo.

Impulsivamente, Adriano vê livre o espaço e com os pés, acerta a barriga. Uma, duas, três vezes. Débora começa a tossir e agita os braços. Bate a mão nos pés da mesa, tateia, encontra a ponta da toalha e puxa. O vaso cai e se estilhaça. Rastejando e tentando fugir, Débora corta as mãos e os braços nos cacos.

Barulho de chave na porta.

- O que você está fazendo?!?!

André entra na sala, empurra Adriano e se agacha ao lado da moça.

- Levanta, Débora, vem comigo.
- André, deixa essa vaca aí! Agora! - os olhos vidrados.
- Não! Sai daqui ou eu chamo a polícia! Agora! - os olhos em fúria.

Adriano senta-se no sofá e coloca a cabeça entre as mãos. De olhos fechados, só escuta o choro da garota, entrecortado pela tosse. A porta nem foi fechada. Após ouvir o som da porta do elevador, levanta a cabeça e vê o vizinho da frente, parado, observando.

Levanta-se e fecha a porta com um estrondo. O chão está cheio de respingos de sangue. Sua mão direita também, nos ossos dos dedos. Mais pingos na camisa.

Com uma urgência frenética, Adriano vai até o banheiro e lava as mãos. Tira a camisa e, antes de jogar no cesto de roupas sujas, hesita. Embola a roupa e joga no cesto do lixo.

Segue até o quarto e abre o guarda-roupas em busca de uma nova camisa. Na porta direita, o espelho. Adriano vê a sua imagem refletida. O rosto transtornado, vermelho, suado. No canto superior do espelho, Débora olha da fotografia e sorri para ele. Segura a foto nas mãos por um instante, antes de amassá-la e atirar pela janela.

Olha novamente para o espelho, para os olhos daquele rosto que não reconhece. E chora.
"Droga".

No meio da coxinha, uma lasquinha de osso de frango surpreende a voracidade de Adriano. Com a unha, ele retira da gengiva o incômodo intruso. Ao verificar o dedo, percebe a unha grande e suja, e agora, com um pouco de sangue, que ele imediatamente limpa no guardanapo.

Forma-se pequena nódoa vermelha no papel.

Mais dialetos

Sou da geração anos 80 e gosto sim de Legião Urbana.

Morar em Brasília ajuda a entender algumas coisas. "Se encontraram então no Parque da Cidade, a Mônica, de moto, e o Eduardo, de camelo".

Sempre imaginei como um parque sem nome podia ser uma referência tão exata. Deveria ser "em um parque da cidade". Well, o parque chama-se Parque da Cidade "Sarah Kubitschek", popularmente conhecido como "o Parque".

E o camelo é o mais legal. No dialeto local, camelo é bicicleta.

Bizarrice

E outro dia alguém comentou comigo que sente "muito orgulho" porque o povo em Brasília pára na faixa.

Cara, o que você diz nessa situação? Já me disseram do orgulho da cidade planejada, do céu azul, do pôr-do-sol, do lago, da Ponte JK (que é mesmo estupenda)...

Mas você morar em um país que tem uma das mais altas taxas de morte no trânsito do mundo, na cidade em que os políticos tomam as decisões toscas que contribuem para isso, e sentir orgulho da faixa?

É bem verdade que a pessoa não serve de parâmetro... Uma pena, porque eu acabo misturando os juízos de Brasília e da pessoa. Que, aliás, nem daqui é...

Inconvenientes

O duro da faixa é que você acostuma com elas. Então em São Paulo ou outras cidades eu costumo ir metendo o pé.

Perigoso isso. A taxa de brasilienses mortos por atropelamento em outras cidades deve ser muito alta.

Impressões again

No meu primeiro final de semana em Brasília, perguntei onde poderia almoçar.

Indicaram "a comercial da 306" (ou 5, sei lá), onde havia um Giraffa´s.

Foi uma longa, longa, longa explicação sobre como chegar até lá. Não que fosse difícil. Eu é que não entendia exatamente como "pegar a entrequadra e descer a comercial", quando, descobri depois, bastava dizer que eu devia seguir em frente, sempre reto, só atravessando as ruas.

Na primeira rua, a avenida W3, havia um semáforo. Ok.

Entre a entrequadra da 705/706 e as 500, não havia semáforo, nem faixa, e nem carros também. Ok.

Para atravessar das 500 para as 300 havia uma faixa, mas nenhum semáforo. Eu parei na beira da calçada para esperar os carros.

Aí o cara parou o carro e ficou. Ele ficou, eu fiquei. Veio um carro ao lado dele e parou também. E eu lá. O motorista do primeiro carro fez sinal para eu que eu passasse.

Quando retornei do almoço e contei na pousada, todo mundo riu.

Eu não sabia que em Brasília os carros paravam na faixa. Se tivesse chegado aqui de carro, com certeza iria presa por atropelar o pedestre na faixa. Acha que eu ia parar?

Da série "Minhas frases mal interpretadas"

- Eu gostava de enfiar o dedo no buraquinho e ouvir o barulho.

O contexto: o assunto era o telefone antigo, de discar.