Quinze anos atrás.
- Pára!
Indiferente ao grito, Adriano levanta a mão e desce novamente. Dessa vez, fechada. Acerta o nariz de Débora. Gotas de sangue espirram e mancham a blusa azul de Adriano. Quando ela cai, bate a testa no canto da mesinha da sala, deita-se de lado e leva os braços ao rosto, para protegê-lo.
Impulsivamente, Adriano vê livre o espaço e com os pés, acerta a barriga. Uma, duas, três vezes. Débora começa a tossir e agita os braços. Bate a mão nos pés da mesa, tateia, encontra a ponta da toalha e puxa. O vaso cai e se estilhaça. Rastejando e tentando fugir, Débora corta as mãos e os braços nos cacos.
Barulho de chave na porta.
- O que você está fazendo?!?!
André entra na sala, empurra Adriano e se agacha ao lado da moça.
- Levanta, Débora, vem comigo.
- André, deixa essa vaca aí! Agora! - os olhos vidrados.
- Não! Sai daqui ou eu chamo a polícia! Agora! - os olhos em fúria.
Adriano senta-se no sofá e coloca a cabeça entre as mãos. De olhos fechados, só escuta o choro da garota, entrecortado pela tosse. A porta nem foi fechada. Após ouvir o som da porta do elevador, levanta a cabeça e vê o vizinho da frente, parado, observando.
Levanta-se e fecha a porta com um estrondo. O chão está cheio de respingos de sangue. Sua mão direita também, nos ossos dos dedos. Mais pingos na camisa.
Com uma urgência frenética, Adriano vai até o banheiro e lava as mãos. Tira a camisa e, antes de jogar no cesto de roupas sujas, hesita. Embola a roupa e joga no cesto do lixo.
Segue até o quarto e abre o guarda-roupas em busca de uma nova camisa. Na porta direita, o espelho. Adriano vê a sua imagem refletida. O rosto transtornado, vermelho, suado. No canto superior do espelho, Débora olha da fotografia e sorri para ele. Segura a foto nas mãos por um instante, antes de amassá-la e atirar pela janela.
Olha novamente para o espelho, para os olhos daquele rosto que não reconhece. E chora.
Quem sou eu

- Thelma Yeda
- Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. Carlos Drummond de Andrade
sábado, 12 de abril de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário