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Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 24 de março de 2008

"Lugarzinho feio".

Saindo da escada rolante, Adriano vê pela primeira vez em horas o céu da cidade. Chuva. Frio.
Bate as mãos no bolso do casaco para conferir se está tudo certo e fica tranqüilo.

"Se eu conseguir pelo menos R$ 500, pego o primeiro ônibus pra fora daqui".

As pessoas vão e vem, com seus casacos e bolsas. O chão está molhado e cheio de papéis. "Melhor".

Mulheres puxando crianças pelas mãos, homens de terno. Ainda não. Meia hora depois, um homem de barba e chapéu surge da escada rolante. Fica parado, olhando para os lados. "É esse".

Adriano começa a andar, apressado, e esbarra no outro homem. Murmura uma desculpa e segue em frente, mas de repente se volta e apanha algo do chão.

- Senhor, acho que deixou cair isto - e estende o par de alianças pregado a um quadrado sujo de papel grosso.

- Não, não deixei cair nada - balbucia o homem.

- Não são suas? Puxa, mas de quem...

Adriano olha em volta, procurando alguém que não existe.

- Acho que não vamos encontrar o dono. Olha só, que azar, alguém perder um par de alianças bem aqui. Devíamos entregar para alguém... Mas esses funcionários não têm cara boa, duvido que procurem o dono.

Olha para o homem, fazendo-se de desconfiado.

- Já que nós achamos, poderíamos vender e repartir o dinheiro.

Olha em volta de novo.

- Pena que aqui não tem nenhuma loja de jóias, senão poderíamos vender já. Mas eu conheço um lugar lá no centro que.... ah, que pena, hoje não posso ir até lá. Mas se você me der a metade do valor, eu deixo você levar e...

- Rapaz, está pensando que eu sou idiota? Suma daqui, ou eu chamo a polícia - o homem já está com um celular nas mãos.

Adriano sai, na chuva. "Está ficando difícil".

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