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Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

De quando saí do DEBATE

Quando saí do DEBATE, enviei essa carta ao jornal:

Thelma Kai
Foi com enorme felicidade que me deparei, no último domingo, com o artigo escrito por Sérgio Fleury Moraes a respeito da minha passagem pelo DEBATE nos últimos anos. Mas peço licença para esclarecer um ponto muito importante.O que não foi citado no artigo é que na verdade não se pode esperar de um jornalista “criado” dentro do DEBATE uma postura que não seja, no mínimo, ética. Mesmo tendo passado por uma faculdade de Jornalismo renomada, não posso dizer que saí de lá preparada para o que iria encontrar no cotidiano da profissão. A maior parte dos jornalistas de cidades do interior não tem a chance que tive — iniciar a carreira dentro de uma redação que possui uma linha editorial honesta, ética, séria. Fui guiada, desde os primeiros passos, por dois nomes que são exemplos no meio jornalístico: Sérgio Fleury Moraes e Aurélio Alonso. Dentro da UNESP, o DEBATE sempre foi citado pelos professores (mestres e doutores em Comunicação Social) como um dos raríssimos exemplos de jornalismo sério fora da chamada “grande imprensa”. Da mesma forma, é um dos poucos a merecer generoso espaço no Observatório da Imprensa. Também não é todo dia que o editor de um caderno de prestígio como o Link do Estadão tece elogios a uma publicação do interior, não apenas pela qualidade gráfica, mas principalmente pela independência e pela seriedade. Em um reencontro com professores e colegas da faculdade há alguns anos, tive a satisfação de ser felicitada por ser uma jornalista do DEBATE — entre eles, alguns que desempenham brilhantemente suas funções em veículos de alcance nacional.Enfim, o que quero deixar claro é que ser jornalista do DEBATE é sinônimo de ser jornalista de caráter. Em qualquer situação, pois os que começam a carreira nesse local seguirão esse caminho e, no caso de profissionais experientes, o jornal não aceitaria ter em seu quadro “picaretas”.Mas só quem vivencia o cotidiano da redação do jornal santa-cruzense sabe quanto esforço foi necessário para que essa linha editorial fosse firmada e continue sendo mantida. Esse esforço significa, na realidade, uma abdicação por parte de seu fundador, Sérgio Fleury Moraes, e dos demais, de tudo que as pessoas consideram importante — tempo para o lazer, tempo para a família, conta polpuda no banco, saúde e até mesmo a fria e dissimulada “amizade” de autoridades. Tudo isso em nome do bem maior de outras pessoas — pessoas que amanhecem na porta do posto de saúde porque dependem de uma rede precária de saúde, que sofrem com a lentidão de uma máquina administrativa mal conduzida, que sonham com um futuro melhor para seus filhos matriculados em escolas municipais com avaliação inferior às da região.E depois de uma vida conhecendo os problemas das outras pessoas, não me espanta que o Sérgio tenha adivinhado com tanta facilidade os motivos que me levaram a deixar o DEBATE. Houve realmente um momento em que tornou-se insuportável a desilusão de constatar que os ares conturbados que respirava foram causados por um político outrora idealista que conheceu de perto as verdadeiras motivações dos jornalistas do DEBATE e mesmo assim insiste, diariamente, em pregar uma tal história de publicação de editais para disfarçar seu próprio fracasso e sua própria incompetência — para não falar de outros motivos. Mas muito pior é constatar que uma grande parcela da cidade não hesita em recorrer hipocritamente ao DEBATE como último recurso na solução de seus problemas — que são, via de regra, solucionados então — para depois se calar vergonhosamente diante das barbaridades apregoadas, a custo de dinheiro do povo, nos microfones servis de algumas rádios da cidade.Um bom jornalista precisa, acima de tudo, ser um indignado. E quando se acredita que nada mudará e que talvez as pessoas mereçam que nada mude, perde-se a capacidade de se indignar. Em um momento desses, creio ser mais honroso deixar o lugar vago para alguém que ainda acredite — como todo jornalista recém-formado — que é possível construir um mundo, um país ou pelo menos, uma cidade melhor.Mas as lições de vida — profissionais e pessoais — que tive no DEBATE carregarei comigo para sempre. Agradeço a meus colegas de redação por isso e desejo a eles que tenham sempre a disposição de continuar tentando mudar o que deve ser mudado. Até porque, se algo realmente mudar, poderei eu mesma acreditar naquele “até breve” e nas pessoas de uma maneira geral.PS: Quando criança, uma das fábulas que mais me encantava era justamente O rei está nu. Achava divertida a singela historinha sobre dois picaretas que conseguiam enganar uma cidade toda, apesar da obviedade do engodo. Mas é com infinita tristeza que constatei, ao passar dos anos, qual a diferença entre a fábula e a vida real. Na fábula, os cidadãos tinham apenas interesse pela verdade e medo de acreditar que seu rei estivesse mentindo. Na vida real, os cidadão já sabem a verdade, mas seus interesses são vários, e seu medo é justamente perder algo do seu interesse...
— Thelma Yeda Roder Kai (Santa Cruz do Rio Pardo-SP)

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